Resolvi partilhar convosco uma crítica ao filme da minha vida.
Um verdadeiro murro na indústria cinematográfica é aquilo que o primeiro filme de Sam Mendes, “Beleza Americana”, representa. Este drama avant-garde é uma verdadeira obra-prima lançada em 1999, vencendo vários Óscares da Academia, calando ao mesmo tempo vários críticos que se estavam cépticos quanto ao valor de Sam Mendes e ao carácter mais europeu/independente que marca esta longa-metragem.
Começando com flashbacks, o filme conta-nos a estória de Lester Burnham (Kevin Spacey), um homem de 42 anos que se encontra no meio de uma “crise de meia-idade”, odiado tanto pela sua esposa Carolyn (Annette Bening), como pela sua filha Jane (Thora Birch), que se sente extremamente sedado e adormecido. A nossa personagem principal conhece os vizinhos Fitts,: Ricky (Wes Bentley), um vendedor de droga que tem de enfrentar e ser como o seu pai, o Coronel Frank Fitts (Chris Cooper), uma pessoa extremamente homofóbica, patriota e que se define por um modo de estar na vida extremamente militar e formal. Ricky é um adolescente estranho, extremamente confiante, que filma obcecadamente Jane (que primeiro o odeia), acabando por se tornarem namorados. Lester tem uma vida miserável, tanto a nível social e conjugal, tendo mesmo uma esposa que o despreza. Carolyn é frígida, insegura e falsa (primeiro está a imagem, só depois vem a felicidade…) acaba por ter um caso amoroso com um dos seus rivais no ramo das imobiliárias: Buddy (Peter Gallagher), destruindo por completo o pouco que ainda restava do seu casamento com Lester. O renascer deste dá-se quando conhece Angela (Mena Suvari), a melhor amiga da sua filha e uma “cheerleader” que aparenta ser promíscua e confiante.
“Beleza Americana” retrata a vida de um homem que em menos de um ano morrerá, e sem que o saiba, renasce e deixa de parte a costela material da sua vida: os luxos, a vida de aparências, o emprego monótono, e a sua relação conflituosa com a sua esposa e filha. Ao apaixonar-se por Angela, Lester apercebe-se de que quer viver apenas de modo humilde, totalmente anti-materialista, e ser feliz. O filme é uma sátira à sociedade capitalista americana do final dos anos 90 do governo de Bill Clinton: uma crítica ao mundo da concorrência desleal das grandes empresas imobiliárias que caracterizou o segundo mandato de Clinton; uma sociedade consumista que se desliga do real e vive no artificial e que deixou de reparar nas coisas belas da vida (um saco de plástico a dançar no vento é o vídeo preferido de Ricky, um jovem aparentemente “chanfrado”, que ao longo do filme se revela frio e enfrenta o pai severo); os casamentos de aparências, uma sociedade que molda os adolescentes de acordo com o sonho americano… uma sociedade que deixou de viver (Carolyn é o melhor exemplo desta questão). A homofobia presente no Coronel Frank Fitts é outro dos pontos importantes do filme. Frank é um pai obcecado pela educação militar, republicana e severa do filho, e um homem triste que vive dentro de uma carapaça que o impede de ser o que ele realmente é: um homossexual. Este tipo de vivência social material e repressiva dos nossos desejos verdadeiros marcou uma era e curiosamente ainda marca a nossa.
Uma viagem aos subúrbios norte-americanos e sequências de histórias de amor aborda temas como solidão, beleza, tristeza ou ódio, sem deixar de lado as relações entre homens velhos e jovens raparigas, o consumo casual de drogas, a homossexualidade no Exército, sexualidade entre adolescentes, a obsessão pela vida dos vizinhos, o amor e ternura existentes entre as mais conflituosas famílias e a já mencionada cena do saco de plástico dançante, fazem com que “Beleza Americana” faça todos aqueles que vivem como Lester questionem se realmente estão mortos ou se ainda vão a tempo de renascer.
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